O corno gastronômico

O corno gastronômico

Amo cozinhar. E como toda uma classe de cozinheiros profissionais de brincadeirinha, acabo me cansando de ir para o fogão só porque passei a ter o hábito de cozinhar só pra mim. Isso cansa e perde todo o glamour de ser surpreendido por elogios e pratos totalmente vazios depois de um jantar. Glamour esse que aprendi a não sentir há muito tempo, desde que pela terceira vez tentei fazer alguma receita que vi na TV. Para cozinhar bem, você precisa de um punhado de amor. E amor por amor, é como se eu e os pratos recém-saídos da panela vivêssemos em uma relação poligâmica estável. Mas eis que descubro que fui traído por todos eles.

Sou corno gastronômico. No lugar de galhos ou chifres, colheres de pau enfeitam minha cabeça. E sabe por quê? Simplesmente porque todos os meus parceiros (leia-se pratos preparados) se arrumavam bem mais para outros chefs. Ligava a tevê e lá estava meu empadão super arrumado e bem apresentável no programa de culinária. Ao julgar pelos gemidos de “Hummm” do apresentador, ao prová-lo, parece que foi fácil para o empadão fazer com que o apresentador atingisse um orgasmo gastronômico de escala imensurável. O empadão e eu? Sempre ficamos naquela de papai e mamãe, arroz com feijão, o básico. Não elogiava mais, o meu “hummm” não era mais suficiente. Talvez eu tenha dado menos atenção a ele. Mas é que perdi o tesão, poxa! Ultimamente ele estava saindo do forno todo simplesinho, como se vestisse aquela camisola furada de todas as noites.

FUI. TRAÍDO. PELO. EMPADÃO. Ele me trocou pelo apresentador da TV a cabo. Aí lembrei que sou corno desde aprendi a botar fogo na relação (leia-se fogão). Foi assim com o empadão, foi assim com o pão, a massa de pizza, o pudim… Todos acabavam se arrumando mais para os outros. Sabe aquela história do marido que “sai pra comer fora”? Pois é, certamente ele estava comendo um dos meus pratos mais amados.

Me cansei de tudo isso. Me cansei de ver bolos maravilhosos por aí, que sequer ficam apresentáveis quando eu me esforço para fazê-los em casa. Lanço mão dos melhores ingredientes para agradá-los, mas eles fazem pouco caso. Queimam a beiradinha, ficam sem graça, secos… Com os outros? Inflam! Saem quentes e convidativos e mesmo nus, sem nenhuma cobertura ou chantilly em seu corpo, são extremamente desejáveis. Todos comem, só eu que não. E quando saio nas ruas, é como se todos apontassem e falassem: “Olha lá o corno gastronômico! Ficou sabendo que o nhoque o trocou por outro cozinheiro que tinha um molho melhor?”

Meu peito dói de saudades. Dói em ver suculentos pedaços de carne que na minha cozinha são apenas… carnes. Tento colocar uma batata assada para fazer um ménage a trois culinário, algo diferente, dar uma variada… Mas continua sendo… carne. E eu choro. Como se estivesse cortando cebolas. Ok. Estou cortando cebolas. De novo. Tenho uma nova receita para amar. E espero que ela se mostre para mim justamente como se mostrou para a Ana Maria Braga na TV: gostosa pra car*lho!

 

Gabriel Mota é publicitário.
E corno gastronômico.

 

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